Será que um dia veremos poesia na chuva novamente?

Desde que esse pesadelo começou, troquei o dia pela noite, qualidade de sono péssima, dores de cabeça frequente, rotina estranha e triste, uma confusão mental que só. Moro em uma zona de risco, mas acredito que a probabilidade da água chegar até a minha casa seja mínima, entretanto, o medo da água  só faz aumentar. Ainda mais vendo e ouvindo a chuva  nos castigar sem parar. Não tem como ficar bem com tudo isto que está acontecendo. Estamos vendo em tempo real nosso estado ser afundado pelas águas. 

Nosso novo normal é ficar apavorado quando a chuva recomeça ou o vento fica mais forte, é ouvir sirenes de ambulância, bombeiros e helicópteros sobrevoando todos os dias sem parar. Nossa rotina é acompanhar a subida das águas do Guaíba, e ver nas redes sociais os pontos que precisam ser evacuados imediatamente. Todos os dias antes de dormir penso: Será que o RS vai conseguir se recuperar de tudo isso?

Alguns prefeitos já disseram que tem cidades que não vão conseguir se recuperar, bairros deixarão de existir, assim como alguns comércios, pontos turísticos, entre milhares de coisas que serão perdidas em meio as enchentes. Nossa história está debaixo das águas. E isto é desesperador. 

Achávamos que a pandemia tinha sido o ápice do horror, e estar vivendo isto agora parece impossível, parece que em algum momento vamos acordar e perceber que foi um pesadelo daqueles que nos deixa sem ar.  Todo o povo gaúcho está sofrendo, porque todos estamos sendo atingidos pelas enchentes, direta ou indiretamente, e o mais apavorante disso tudo, é que sabemos que isto está muito longe de ter um fim. 

São tantas histórias surgindo em meio a essa tragédia, voluntários ultrapassando os seus limites para salvarem vidas, outros se movimentando em ginásios, igrejas, escolas e quadras para dar suporte a quem está desalojado. Animais sendo resgatados dos lugares mais improváveis e resistindo aos piores cenários. Um povo lutando para sobreviver em meio ao caos, ao negacionismo e a cara de pau de nosso governador e alguns de seus aliados. 

Não gostaria de falar das pessoas que sucumbiram a água, que tiveram suas vidas ceifadas nessa catástrofe, vidas que mal tinham começado, como a bebê Agnes, por exemplo. Bichinhos que foram deixados para trás por seus tutores, porque não foi possível levá-los, e não sobreviveram. Pessoas que voltaram para buscar algo que consideravam importante e foram levados pela água e ainda estão desaparecidas. Numa tragédia dessa magnitude, será mesmo que temos apenas pouco mais de 100 pessoas mortas? Espero que este número seja real, mas sinceramente não acredito. 

Vemos um país se mobilizando para nos ajudar, mas é um estado inteiro debaixo d'água, até quando as doações  e a ajuda vão chegar? Tenho medo do que pode acontecer nos próximos meses, sim, meses. O Rio Grande do Sul foi devastado pelas águas, demoraremos anos para nos reconstruir. Meses eu penso que pode levar apenas para essa água toda recuar, tem noção? E o pânico de imaginar que quando ela recuar aí que realmente veremos o desastre de modo mensurável?! 

Não tem como estar bem, não tem como não se sentir impotente diante de tanta tristeza, estamos todos fora do lugar, estamos todos perdidos em uma melancolia que dia e noite nos arrasta e nos assombra. Temos fé, claro que temos, é uma das poucas coisas que nos restou.

Povo gaúcho é aguerrido, mas também está cansado, e sabemos que não é possível esmorecer, infelizmente este é apenas o nosso começo, no fundo ninguém sabe como será amanhã, estamos sobrevivendo e lutando pelo hoje, agarrados na certeza que o sol um dia vai voltar, e vai secar a nossa terra e também as nossas lágrimas. 

Mas hoje... hoje tá difícil...