Tudo é rio é o livro de estreia de Carla Madeira
Tudo é Rio, como sugere o título, é líquido. Suores, lágrimas, sêmen, sangue, saliva. Mas Carla não consegue deixar cair nem um pingo para fora da narrativa, a prosa nunca escorre para o sentimentalismo barato, não a enchente, transbordamento, excesso - a precisão de sua literatura é absoluta. A única que está se derramando aqui sou eu.
Pois, eu digo que não, Martha, não é apenas você! Todos que se permitem afogar na leitura deste livro com certeza sairão diferentes, é uma leitura visceral, que nos agarra com força, nos prende em uma paixão absoluta, e nem nos damos conta em que minuto isto acontece.
Realmente o nome do livro é certeiro, afinal de contas tudo flui como um rio, a leitura, os personagens, a história, as dores, o amor, o ódio, a paixão, a incredibilidade, tudo acontece de forma potente, mas sem exageros.
Todos os personagens tem suas histórias devidamente abordadas, e de forma que se explique porquê e como chegaram ali, não existe personagem de apoio esquecido, todos são importantes e relevantes para dar a densidade que a narrativa precisa, é saboroso ler um mundo de pessoas em uma história só.
Dalva e Venâncio é aquele casal que nos faz suspirar e sorrir enquanto os acompanha, tudo neles é bonito, até mesmo suas dores. E a forma estúpida como Carla Madeira nos expõe a ruptura deles é simplesmente magistral.
Lucy, a prostituta depravada que nos comove de maneira controversa, ora a amamos, ora a odiamos, que personagem impactante, que mesmo com toda sua grosseria e atrevimento nos aguça a curiosidade sobre sua narrativa, é apaixonante.
Já tinha ouvido falar muito bem do livro, mas confesso que tinha minhas dúvidas sobre a veracidade dos elogios, comecei a ler sem muita expectativas, e fui engolida por uma história que me arrancou todas as certezas que eu possuía sobre a literatura nacional. Eu estou realmente encantada com Carla Madeira. Quando ao final da leitura descobri que era seu livro de estreia, eu realmente fiquei chocada. Eu não conseguiria imaginar que um livro com essa magnitude pudesse ser o primeiro livro de alguém, é simplesmente: PURA ARTE!
Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
O livro tem uma densidade que não incomoda, uma tensão que nos prepara, mesmo com uma história muitas vezes pesada, a narrativa em momento algum é desconfortável, e trazer essa fluidez para o leitor não é algo fácil, principalmente quando se escreve sobre violência, sexo, e traumas.
A leitura é realmente como a correnteza de um rio, você começa e não consegue parar. O final me surpreendeu, talvez eu não estava esperando o melancólico se harmonizar da maneira apresentada, mas não muda em nada o brilhantismo da história.
Tudo é Rio nos arrasta para um mundo cheio de intensidade com uma narrativa aguda, que nos consome a cada página lida. É impressionante como se devora e se é devorado por cada palavra. A escrita tem ousadia, coragem e nos deixa sem ar. Uma dica: leia com um bloco de notas ao lado, a escritora tem uma forma linda e extremamente poética de nos deliciar. Cada frase merece ser emoldurada, e com certeza, você vai querer sublinhar muitas passagens. Brilhantismo é pouco para definir esse livro de estreia de Carla Madeira.
O amor, quando nasce forte, tem pressa de ser eterno.
Autora: Carla Madeira
Editora: Record; 10ª edição (8 fevereiro 2021)
Capa comum: 210 páginas
Gênero: Ficção
Literatura: Nacional
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