O que leva duas mulheres, levando seus filhos, a se lançarem de carro de um penhasco? 

Sinopse: Em 2018, duas mulheres, levando seus filhos adotivos, lançaram seu carro de um penhasco da Califórnia. Ninguém sobreviveu. A polícia expõe a verdade por trás da família e desafia um sistema que falhou com seis crianças.

Eu confesso que foi um dos documentários mais tristes e revoltantes que eu já vi. A cada depoimento, cena e fotos mostradas, a revolta só aumenta com um sistema que nunca favorece pessoas negras, principalmente em vulnerabilidade, só fica mais claro e pesado. 


Sarah e Jennifer Hart: Duas mulheres acima de qualquer suspeitas não é mesmo? 

Sobre elas: O casal era formado em educação primária, com Sarah se concentrando em educação especial. Ela tornou-se gerente de um Kohl's em Hazel Dell, e Jennifer era dona de casa. As Harts recebiam fundos do estado do Texas, cobrindo seus seis filhos adotivos, que representavam quase 50% da renda da família.

Adoção: Antes de adotarem seus seis filhos, as Harts eram mães adotivas de uma menina de 15 anos, entretanto, uma semana antes da chegada dos três primeiros filhos, elas deixaram a menina em uma consulta agendada com um terapeuta, e então ele informou à menina que elas não voltariam para buscá-la. (isso para mim já seria um motivo para que elas não pudessem mais adotar nenhuma criança). 

Em 2006 elas adotaram os irmãos Abigail (nascida em 2003), Hannah Jean (nascida em 2002), e Markis Hart (nascido em 1998). Em junho de 2008, elas adotaram três filhos adicionais, os irmãos: Ciera Maija (nascida em 2005), Devonte Jordan (nascido em 2002), e Jeremiah Hart (nascido em 2004), estes depois que sua mãe biológica, Sherry Davis, perdeu a custódia devido a problemas de abuso de substâncias. Eles foram entregues à sua tia paterna, Priscilla Celestine, sob a condição de que não tivessem contato com sua mãe biológica. No entanto, um dia Celestine foi obrigada a trabalhar em outro turno, e permitiu que a mãe biológica tomasse conta das crianças, o que foi observado por uma assistente social. e como resultado, as crianças foram retiradas dos cuidados da tia e um tribunal impediu que ela obtivesse a custódia permanente, levando as crianças a ficarem em um orfanato e sendo adotadas então pelas Harts. 

Família Hart 


Jennifer era muito ativa nas redes sociais e usava o Facebook para projetar a imagem de uma família amorosa e feliz, ao mesmo tempo que compartilhava seus pensamentos sobre raça, política e viagens. Quem acompanhava suas postagens via uma família perfeita, com fotos dignas de estarem em um portfólio de revista. Infelizmente isto estava muito longe de ser a verdade da família por trás das câmeras. 


Eles viajavam, iam a festivais musicais para ouvirem suas bandas favoritas e eram vistos em comícios e manifestações de causas humanitárias e até mesmo políticas. Devone Hart, um dos filhos adotivos ficou bastante conhecido na cidade devido ao cartaz que levava quando participava destes festivais e manifestações. Isso, infelizmente, ajudou a mascarar alguns dos problemas dentro da família por muito tempo. 


Abusos: 

Em 2008, uma professora observou hematomas no braço esquerdo de Hannah e foi informada de que ela havia sido atingida por Jennifer com um cinto. Em poucos meses, todas as seis crianças foram retiradas do sistema escolar público por um ano. Em 2010, Abigail disse que tinha "dodói" nas costas e na barriga e afirmou que se sentia ameaçada pelas Harts, que a espancaram e colocaram sua cabeça em água fria por causa de uma moeda que elas presumiram ter sido roubada. Quando as autoridades se envolveram, todas as crianças alegaram que tinham sido espancadas constantemente e privadas de comida. Sarah assumiu a responsabilidade pelo abuso, protegendo Jennifer, confessou-se culpada de agressão e foi condenada a serviços comunitários por um ano. Em 2011, Hannah teria dito a uma enfermeira da escola que não havia comido o dia todo; entendendo que as crianças tendo convívio com outros adultos ficaria impossível esconder a violência doméstica, as Harts tiraram todas as seis crianças da escola e começaram a educá-las em casa. 

Na mesma época houveram relatos que as crianças eram mal alimentadas e pareciam pequenas para a idade. Um amigo da família relatou que Jennifer havia pedido uma pizza para as crianças, mas cada uma só pôde comer uma pequena fatia. A noite uma das crianças desceu e comeu mais um pedaço e quando Jennifer descobriu que a pizza havia acabado, puniu as crianças não lhes dando café da manhã e forçando-as a ficarem deitadas na cama por cinco horas. Amigos do casal afirmaram que as crianças pareciam "robôs treinados".

No entanto, ao entrevistar as crianças, elas não mencionaram novos incidentes e nem mencionaram nada do que havia acontecido antes às assistente sociais. Jennifer quando entrevistada, afirmou que as acusações eram resultado de pessoas que não eram tolerantes com duas mães lésbicas com seis filhos negros. Então a investigação foi finalizada, pois alegaram que não conseguiram provas que as Harts eram culpadas de alguma coisa ou se havia uma "ameaça à segurança".

Aqui vemos a prova de como a fala de uma mulher branca diante de crianças negras tem um poder muito maior que hematomas e denúncias. 

Em 2014, Devonte, de 12 anos, viralizou ao ser fotografado chorando ao abraçar um policial branco durante um protesto do Black Lives Matter. Esta foto ficou conhecida como "abraço sentido em todo o mundo". Entretanto, Jennifer foi acusada de se apropriar de uma causa que não era dela através das crianças, e isso trouxe uma visibilidade para a família que ela não queria, além de uma alegação de abuso infantil que abordou o uso do Facebook por Jennifer, dizendo que "as crianças posam e parecem uma grande família feliz, mas depois do evento fotográfico, elas voltam a parecer sem vida". Foi então que Jennifer decidiu sair um pouco dos holofotes das redes sociais, e o casal decidiu mudar-se e ficar mais isolado com a família. 


Em 2017, Hannah pulou, de madrugada, da janela de seu quarto no segundo andar, e implorou para os vizinhos para não voltar pra casa. 

Não me faça voltar! Elas são racistas e abusam de nós!

No dia seguinte, Jennifer disse que Hannah estava mentindo, que as crianças ocasionalmente agiam assim porque eram "bebês drogados" e que a mãe biológica de Hannah era bipolar. Em suas postagens no facebook, ela sempre mantinha a narrativa que as crianças vinham de lares problemáticos, e que graças a elas hoje tinham uma vida feliz e correta. Numa destas postagens que virou até matéria em um jornal da cidade, ela alegou que Devonte já havia sido baleado quando criança, o que hoje sabe-se que é mentira. 

Após este incidente, Devonte também entrou em contato com seus vizinhos e implorou por comida para ele e seus irmãos, e pediu para que os vizinhos não contassem a Jennifer sobre esses pedidos. Isso, combinado com o incidente anterior com Hannah, fez com que os vizinhos denunciassem as Harts à polícia. 

Os assistentes sociais tentaram entrar em contato com as Harts duas vezes: 23 de março de 2018 – três dias antes dos assassinatos – e no dia dos assassinatos.

Em 26 de março de 2018, Jennifer e Sarah Hart assassinaram todas as seis crianças quando Jennifer jogou seu veículo, um GMC Yukon XL, sobre um penhasco. Pouco antes do acidente, em uma postagem no Facebook, Jennifer comemorava o nono aniversário de adoção de três de seus filhos. 

"Sou uma humana melhor de todas as maneiras possíveis por conhecer essas crianças”


Os corpos de Jennifer, Sarah, Markis, Jeremiah e Abigail, foram encontrados no carro, inclusive quando o corpo de Abigail foi encontrado, ela estava coberta de hematomas indicando abusos passados. Segundo a polícia, os restos mortais de Sierra foram achados tempos depois, assim como os de Hannah, cuja parte dos ossos do pé estava em um sapato que foi identificado em uma praia da Califórnia.

Os resultados toxicológicos mostraram que o teor de álcool no sangue de Jennifer estava acima do limite legal no momento do acidente, indicando que ela bebeu para ter coragem de matar todo mundo, e que tanto Sarah quanto duas das crianças tinham difenidramina em seus sistemas. Sarah também havia feito pesquisas no Google antes do acidente, como “Quais medicamentos de venda livre você pode tomar para overdose?” e “A morte por afogamento é relativamente indolor?” Suas pesquisas também incluíram “medicamentos proibidos para matar cães”; os dois cães da família foram encontrados dentro da casa da família Hart.
 

O corpo, nem os restos mortais de Devonte Hart foram encontrados, e ele foi declarado morto um ano após a tragédia. Um fim emblemático para o menino que mais teve sua imagem utilizada para credibilizar a narrativa de família feliz criada por Jennifer. 

Opinião: É necessário estômago para assistir este documentário, que traz depoimentos de familiares, amigos e autoridades tentando explicar o inexplicável. Fica claro o quanto as autoridades falharam com estas crianças, e o quanto é possível criar uma realidade paralela através das redes sociais. Não é possível ficar alheio a revolta que nos causa em ver o quanto o sistema é racista e falho quando se trata do povo negro, e o quanto a expressão "branco salvador" não é algo que deve ser condenada, ela existe e esse caso é a prova disso. Um ótimo documentário para se analisar as camadas do sistema, mas também muito difícil de assistir. Recomendo, mas sugiro ir preparado. 


Nome: A Tragédia da Familia Hart (nome original: Broken Harts)
Ano: 2022
Duração: 1h28m
Gênero: Série/Documentário
Onde assistir:  ID Discovery +