A Cor Púrpura, musical adaptado do livro de Alice Walker, produzido por Steven Spielberg e Oprah Winfrey, chega aos streamings hoje, 26 de abril


Sinopse: Acompanhe a extraordinária irmandade de três mulheres que compartilham um vínculo inquebrável nesta nova e ousada versão de um adorado clássico.

O musical "A Cor Púrpura" é a segunda adaptação do livro homônimo de Alice Walker, e eu confesso já de início que ainda não assisti ao clássico, me perdoem, prometo em breve assisti-lo. 

O filme musical mostra a irmandade entre mulheres afro-americanas vivendo no sul dos Estados Unidos no começo do século 20, e só por esta informação eu já entendo porque ainda não assisti ao filme com Whoopi Goldberg, deve ser de um sofrimento dilacerante, afinal, se o musical já tem cenas extremamente difíceis de se assistir, imagina um drama? 

Saliento aqui a importância de humanizar esta minha análise, pois quem a escreve é uma mulher negra que passou por dois relacionamentos violentos, então realmente algumas cenas foram dolorosas para ver. Ficou claro para mim que a narrativa de musical trouxe uma leveza para uma história que tem um contexto extremamente pesado, e isto foi um ponto positivo. Mesmo com toda a sensibilidade das cenas, elas não perdiam a dimensão do peso que tinham. 

Começo a minha análise referente a dupla de irmãs, as jovens, Celie e Nettie (Phylicia Pearl Mpasi e Halle Bailey).


O início do filme é uma agradável surpresa, com ótimos figurinos, uma fotografia excelente, e uma narrativa muito fluída para contar a dinâmica das duas irmãs na história. Inclusive é onde fica muito claro a diferença entre as duas. Detalhes singelos e sutis mostram a personalidade de cada uma, e como a diferença de visão de mundo das duas moldará o futuro delas. Acho muito interessante a forma como eles abordam o quanto o colorismo atravessa as mulheres negras. Ponto alto desta parte do filme com certeza é a interpretação de Phylicia Pearl Mpasi, que nos encanta com seu jeito doce e tímido, mas é nítido que mesmo tão jovem, ela já entendeu o papel de subserviência que o sistema a colocou. Em contrapartida, mais uma vez Halle Bailey apresenta uma interpretação fraca e em alguns momentos parecendo até iniciante. 

É brilhante a maneira com o que o diretor Blitz the Ambassador, nos presenteia as canções entre as cenas. As coreografias causam um impacto enorme em quem está assistindo, por alguns instantes é possível realmente se imaginar em uma teatro da Broadway, simplesmente maravilhoso. E tudo isto com um peso de letras profundas e na maioria das vezes tristes, que mostram o quanto sufocante eram as vidas das mulheres negras daquela época. A emoção não fica apenas com as cenas não cantadas, e isto torna o filme brilhante, tudo está muito conectado e em momento algum os musicais ficam sem sentido. 

Celie esta casada com seu marido abusivo, é uma mulher triste, sofrida e apagada, e a atriz Fantasia Barrino está brilhante no papel, é emocionante vê-la em cena. Impossível não chorar com todo o seu sofrimento diante a vida que leva. É impactante acompanhar a história dela, pois a cada cena ela é mais diminuída, humilhada e desumanizada. E definitivamente ela age como se isto fosse uma constante aceitável, pois a vida toda dela foi assim, desde jovem, quando seu pai a abusava. 

O primeiro respiro dentro da narrativa é quando surge Sofia (Danielle Brooks), mulher negra a frente do seu tempo, que ao invés de se curvar ao machismo da sociedade, entendeu que precisava lutar para ser respeitada, e não aceitaria baixar a cabeça para ninguém, nem mesmo para o seu marido. Danielle Brooks prova que sua indicação ao Oscar como atriz coadjuvante não foi por acaso, ela definitivamente monopoliza nossa atenção sempre que surge em cena, magistral! Se eu já era fã desta mulher, hoje sou ainda mais. 


A história de Sofia é a única que mostra uma situação clara de racismo, e é uma das sequências mais doídas de se assistir, você vê uma das mulheres mais fortes e brilhantes da narrativa simplesmente sucumbir, fica muito clara a crítica do quanto o sistema racista destrói o povo negro tirando a sua originalidade e potência. E mais uma vez Danielle dá um show de interpretação, é arrepiante. 


A atriz Taraji P. Henson dá vida a cantora de Blues Shug Avery, e diante a importância dela para o desfecho da história das outras personagens, eu confesso que esperava mais. Tive a impressão que parecia sempre estar faltando algo nas cenas em que ela estava presente, e até mesmo quando era o ponto central. 


Entretanto, é inegável pensar que uma mulher como a Shug Avery em pleno anos 20 era algo grandioso. E o quanto o sistema machista é sujo, que transforma uma mulher que decide o que quer fazer da própria vida, e que não se deixa ser manipulada e dominada por um homem, em uma mulher que não merece respeito, ou como eles dizem no filme: um mulher solta na vida.  O ponto da trama  a seguir me deixou um tanto confusa, pois não sei se o que acontece entre ela e Celie é apenas uma amizade, ou realmente o "algo a mais" teve de fato uma relevância romântica. Na trama me pareceu que Shug foi a alegoria usada para mostrar que a protagonista estava começando a se questionar se merecia de fato todo aquele sofrimento, e entender a sua importância como ser humano, algo que até aquele momento tinha sido brutalmente lhe tirado. De qualquer forma foi interessante trazer essa dubiedade. 

Você deve estar se perguntando se não tem homens no filme, tem, mas não darei muito destaque, pois definitivamente são apenas degraus para a construção da história destas incríveis mulheres. E acho que a trama do filme ajuda neste ponto, é possível entender o pouco protagonismo dos homens, este filme não é sobre eles, muito menos sobre este sistema misógino que por muito tempo controlou o corpo e alma de muitas mulheres.  Entretanto, seria injusto não mencionar Mister, como o antagonista que a gente ama odiar. Assim como grande parte do elenco, a atuação Colman Domingo também é ótima, e no final ele consegue até mesmo a redenção de quem estava assistindo e torcendo por sua queda. 


Mas nem só de tristeza vive este filme, e a virada dele, assim como todo o  enredo é emocionante. Como é bom ver uma mulher renascer das suas próprias dores, recuperar sua autoestima e entender o seu valor. E isto "A Cor Púrpura" nos oferece de maneira grandiosa, vemos Celie sofrer, mas vemos uma mulher cheia de potência nascer de toda esta dor. Celie nos prova como um homem consegue tirar o brilho e a força de uma mulher, mas também nos mostra o quanto mulheres unidas podem se fortalecer e apoiando-se uma nos outras podem seguir em frente. A finalização desta parte da trama é linda, e mesmo com grande sensibilidade, tem uma potência que fica difícil de descrever. 


Para encerrar farei um adendo de participações. Achei maravilhosa a homenagem ao clássico, trazendo a Whoopi Goldberg em um pequeno papel no começo do filme. H.E.R fez um personagem tecnicamente pequeno, mas deixou sua pequena marca, nada muito impactante. Ciara aparece no final do filme, e infelizmente não entrega a profundidade que a cena pede, parece uma figurante no meio do elenco. Faltou!

A Cor Purpura é um filme forte, doloroso de assistir mesmo sendo um musical, que obviamente suaviza muito a trama, mas não faz com que as cenas percam a sua densidade. Com uma narrativa fluida, cenografia, fotografia e atuações ótimas, definitivamente entra no hall dos filmes que estão na história do cinema musical.  

Nome: A Cor Púrpura (Titulo original: The People Purple)
Gênero: Musical 
Direção: Blitz the Ambassador,
Roteiro: Marcus Gardley
Duração: 2h:21m
Onde assistir: Max